terça-feira, 12 de agosto de 2008

Olá, amigo... os adeus ficam para depois...

Hoje não escrevo para zombar do que quer que seja...
Não estou em condições de o fazer. O choque apoderou-se de mim de tal maneira que não sou capaz sequer de brincar ou zombar com a mais pequena das coisas.

Escrevo este post em jeito de desabafo, apenas, pois é mesmo a única coisa que me resta, e, em relação a esta situação, é mesmo a única que consigo fazer. A revolta que graça pela minha cabeça é imensa.

Em meados de Julho, tive uma daquelas notícias devastadoras, qual napalm, que de um momento para o outro, nos deixa sem reacção e sem palavras... Um amigo meu, S., acabava de ser internado no Hospital onde trabalho, no Serviço de Neurologia. Quem conhece um Hospital por dentro, normalmente não gosta de ver o Serviço de Neurologia associado a alguém das suas relações. Foi o meu caso. Normalmente sou um gajo frio, nestas situações. Felizmente ou infelizmente, estou por demais habituado a ser confrontado com desgraças e tragédias, pois trabalho a uma certa proximidade da morte, o que nos torna (automaticamente) mais resistentes ao sofrimento de outrém. Não quer dizer que não compreendamos... compreender o sofrimento dos outros e tentar assistí-los nesse sofrimento é, precisamente, uma das nossas missões. Ficamos é imunes a certas coisas, e deixamos de nos impressionar com facilidade, é só isso que nos acontece...
Após ter procurado informação junto de um dos médicos do Serviço, cheguei á conclusão que o diagnóstico era tudo menos animador. Fiquei imóvel, sem saber o que pensar. Afinal, como é que alguém imaginaria que um amigo seu fosse apanhado pelo Cancro, aos trinta anos de idade? Nem a mente mais macabra era capaz de imaginar uma coisa dessas.
Após algumas semanas em casa, na última quinta-feira, o meu amigo S. voltara ao Hospital, mas não para a quimioterapia do costume. Voltava para uma cama, após um AVC que se decidiu juntar à tragédia. Desde esse dia, as coisas não têm melhorado, bem pelo contrário... Os AVC's sucedem-se, e o meu amigo está preso a uma cama, semi-consciente (efeitos da morfina e outras drogas, digo eu), sem falar, sem se mexer, sem que a sua face esboce qualquer tipo de expressão.
Hoje, quando lá fui, a sua mãe estava lá, com ele, junto á cama onde repousa há dias, esperando...
Entrei no quarto, cumprimentei a mãe com um beijo na face, olhei para ele. Estava de olhos fechados, mas com um ar calmo e sereno. A senhora, sua mãe, olhou para mim, com um ar estranhamente calmo, e com um esboço de sorriso nos lábios, perguntou se me queria despedir dele... Pediu-me para segurar na mão do meu amigo. Quando o fiz, a senhora inclinou-se para o S., como se estivesse a sussurrar-lhe um segredo.
Não sei se ele estava consciente ou não, mas senti a sua mão a apertar o meu polegar, com alguma força. Vi as pálpebras a mexer, mas prontamente se fecharam outra vez. Quando me despedi da senhora, antes de voltar à "minha" farmácia, ela perguntou-me se me tinha despedido dele... Educadamente, e com o sorriso possível nos lábios e algumas lágrimas nos olhos, disse:

-"Não, minha senhora. Vim-lhe dizer olá... Os adeus ficam para depois..."

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